Os livros, as tecnologias e as bibliotecas

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As tecnologias estão na moda e entraram nas nossas casas, para o bem e para o mal. Atualmente, nenhuma empresa resiste se não recorrer à informática e até à robótica para desenvolver a produção e a economia; nas escolas, as crianças lidam, desde pequenas, com os computadores e os exames tendem, paulatinamente, a serem todos realizados e corrigidos em suporte digital.

Aparentemente, esta prática está a normalizar-se, embora assente em pressupostos que podem constituir alguma ameaça à cultura dos jovens, uma vez que são os potenciais adeptos e com literacia mais elevada sobre os novos processos e procedimentos das aprendizagens escolares. Uma questão não menos indevida se coloca: terão todas as crianças, em contexto da sala de aula e em casa, acesso a iguais ferramentas para o seu melhor desempenho? Durante a pandemia, expandiu-se muito a rede e foram distribuídos muitos computadores, mas, retomado o normal funcionamento das aulas, constatou-se que muito material estava destruído, outro não havia regressado à escola e, portanto, as desigualdades geradas estavam escancaradas, perante o olhar atento de professores e de alguns encarregados de educação. Outra questão, não menos preocupante: qual o papel do livro no ensino e nas aprendizagens? Hoje as editoras apresentam manuais em formato digital, mas o livro editado em papel ainda não morreu e, para já, continua a fazer parte da mochila dos alunos.

Diz-se que é mais fácil aceder à internet e procurar um sinónimo ou resolver uma dúvida, mas, para além de conteúdos incompletos ou menos confiáveis, a rapidez e facilidade tecnológica não aprofundam o saber enciclopédico nem convidam a uma reflexão sobre e para lá do imediato. Assim, os jovens vão sendo educados em conteúdos mais superficiais e sem espírito crítico, porque se servem do “tudo pronto.” Esta atitude de converter o saber em rapidez gera outros problemas na pessoa e no seu equilíbrio psíquico: não investe na leitura e no seu treino, não pratica manualmente a escrita e não aprecia o preenchimento de uma folha em branco trabalhada por si. Eugénio de Andrade, referindo-se aos trabalhos das mãos, escreveu: “Começo a dar-me conta: a mão que escreve os versos envelheceu. (…) Sempre trabalhou mais que sua irmã, /”. A mão da escrita também é que semeava e tinha mais paciência, comparada com a “irmã” que estava mais estimada e mimada; mas a nobreza cabia à mão da escrita que distribuía as flores para as entregar aos outros. Assim se comporta  o computador no apagamento do livro e, mais grave ainda, no isolamento do ser… que deixa de comunicar, fechado no seu próprio mundo.

É preciso, portanto, saber dosear a utilização das tecnologias, não para disputar conhecimentos, mas para os complementar, melhorando competências e desempenhos. Nessa medida, a facilitação da economia do tempo é reconhecida, transferindo-o para outras investigações mais profundas, e para as portas dos livros. Jorge de Sena, a propósito dos livros escreveu:” Hoje, fiz uma lista de livros,/ e não tenho dinheiro para os poder comprar” e, num outro poema , o poeta gravou: “Sento-me à mesa como se a mesa fosse o mundo inteiro/e principio a escrever como se escrever fosse respirar.” Mais dois aspetos atinentes sobre os livros: primeiro, obriga-nos a economizar o dinheiro, para adquirir os livros que precisamos ou sonhamos; segundo, o ato de escrita, ao abrir janelas na mente, assemelha-se ao ato da respiração, assumindo-se como uma função essencial à vida do ser.

Para além destas interligações entre a escrita, o ser e o computador, outras questões subjazem aos princípios desta nova era: o que fazer das bibliotecas pessoais e públicas que foram criadas a pensar nos vindouros? Quantos pais investiram em grandes enciclopédias e livros estrangeiros de valor para deixar como herança? Hoje, nem as casas têm dimensão para os acolher, nem o interesse floresceu… E as bibliotecas públicas que só são frequentadas nas vésperas de exames? São edifícios para as moscas? No tempo em que havia uma biblioteca ambulante que emprestava livros, estes eram considerados relíquias e muito se agradecia à Fundação Calouste Gulbenkian; hoje, os livros estão na prateleira, em frente dos olhos e à mão de semear e ninguém os abre. Que paradoxo!

No tempo da pandemia, houve bibliotecas que os faziam chegar a casa dos leitores e esse gesto foi louvado. Será que, amanhã, poderão ser uma nova luz?

As bibliotecas também têm de implementar novas dinâmicas para atrair leitores e consciencializá-los da riqueza do espaço que lhes é oferecido.

E, atenção! A Inteligência Artificial (IA) também começa a ganhar adeptos, sobretudo, conjugada com a ciência, tentando convencer as vozes dissonantes. Os mais afoitos acreditam nos eternos benefícios e tentam usufruí-los o mais rápido possível, quer como experiência, quer para a resolução de problemas propalados pelos eternos crentes. No entanto, é preciso atentar no impacto e nas implicações destas tecnologias a nível socioeconómico, a curto e a médio prazo. Vários empregos serão ameaçados, sobretudo na área da programação e muitos postos de trabalho passam a ser desnecessários; portanto, é preciso aprofundar mais esta área para uma melhor adaptação em cada país. São os novos desafios que revolucionam as sociedades, tentando suplantar o ato de escrita manual e os suportes de leitura em papel.

Não podemos fechar a porta à modernidade, mas devemos abrir sempre as janelas à imaginação e gravar as nossas próprias marcas no papel, para responderem à interrogação formulada por Virgílio Ferreira: “Uma obra de arte que esquecemos nunca mais poderemos lembrá-la?[i]

 

 

 

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