Estamos no limite! (artigo de opinião)

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Vivemos tempos difíceis, com uma conjuntura interna e externa que obriga a repensar o nosso modelo económico e social. No entanto, como diria um conhecido prémio Nobel, Friedrich von Hayek: “As emergências têm sido sempre os pretextos para reduzir as liberdades individuais”.
Ora, aquilo que estamos a assistir num curto período – que se eternizou – relativamente aos enfermeiros e à Enfermagem, é um estado de emergência sem prazo, que tem propiciado a estagnação da profissão e consequente decadência desde o fim do milénio passado.
Não sei se, quando cunhou o conceito de “destruição criativa”, Joseph Schumpeter estaria a pensar em aniquilar a carreira dos enfermeiros de forma a que brotasse algo de novo, inovador e que trouxesse bem estar aos portugueses, mas com certeza nenhum político, nenhum governante, que almeje o bem comum – assim como Aristóteles já o definia – pode estar orgulhoso pela sua ineficácia e incompetência em resolver o problema.
E o problema é precisamente o não existir qualquer horizonte de desenvolvimento pessoal e profissional de qualquer cidadão que seja enfermeiro em Portugal.
Um enfermeiro que exerça desde 2003 tem exatamente o mesmo sistema de incentivos que outro que exerça desde setembro de 2015, a mesma posição na carreira, o nível 0, sendo que alguns, com contratos individuais de trabalho, estão na maioria dos casos no nível -1 ou -2!
O mesmo acontece com os lugares de direção e gestão em Enfermagem, não existindo efetivamente, em contracorrente com toda a administração pública, nenhum patamar na carreira para estas funções. Consequência óbvia: desnorte total naquilo que devem ser as políticas públicas de saúde e especificamente de Enfermagem.
Ora este vazio, esta ausência de sistema de incentivos é especialmente deletério para os cidadãos por vários motivos:
– O profissional não vê qualquer benefício em efetuar actualização e aperfeiçoamento profissional dado que independentemente do seu desempenho ser melhor ou igual, não terá qualquer incentivo positivo. Assim, o cidadão vê-se confrontado com enfermeiros desmotivados, pois não existe qualquer recompensa para o mérito, dedicação, competência e boas práticas profissionais.
– Gera uma profunda sensação de injustiça e alienação dos princípios do bem comum, por parte dos profissionais, dado sentirem que a sociedade não se preocupa com eles, apesar de estes se esforçarem e evoluírem, potenciando o aumento de profissionais desinteressados. Isto cria um paradoxo incompreensível, onde uma profissão dedicada a zelar pelo bem estar dos outros não tem ninguém que se preocupe com o seu próprio bem estar.
– Não valoriza o conhecimento nem a procura do mesmo pois não nos podemos esquecer que ter uma licenciatura, uma pós-graduação, uma especialidade, mestrado ou doutoramento em Enfermagem não traz ou trouxe qualquer benefício aos enfermeiros, apesar dos benefícios óbvios e evidentes para os cidadãos, ao terem acesso a profissionais mais capazes, competentes e mais motivados.
– É desonesto sujeitar os enfermeiros à estagnação que por prolongamento traz o declínio, sabendo que tais condições não são dadas aos outros profissionais e existindo uma discriminação negativa relativamente aos enfermeiros.
– Os novos enfermeiros e os “ velhos” entram num confronto geracional por uns não terem condições para progredir e outros não terem motivação para ensinar, tornando a existência dum ambiente desfavorável à prática de cuidados de saúde com qualidade.
– Não existindo um sistema de hierarquia regulamentado, surge a desordem e instabilidade, comprometendo-se a existência de metas a alcançar. Sem uma visão do enfermeiro gestor legítimo não existe uma meta de excelência de cuidados de Enfermagem.
É necessário que os enfermeiros tenham uma carreira que lhes permita crescer, que lhes possibilite e incentive o aperfeiçoamento profissional, que garanta que o bem estar proporcionado e a qualidade dos cuidados é um fator crucial. Um bom profissional e um bom cidadão são fruto duma sociedade saudável e por isso é preciso garantir o equilíbrio e possibilitar que os enfermeiros possam fazer aquilo que sabem e querem fazer, da melhor maneira possível, necessitando dum sistema que o permita.

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